Neve no Exército

Fabrizio Bourguignon em ação (Divulgação/CBDN)

Em 2011 o Brasil sediou e conquistou a primeira posição no quadro de medalhas dos Jogos Mundiais Militares (evento que reúne os integrantes das forças armadas de seus países). O fato abriu precedentes. 

O que já era comum, virou rotina. A ruína dos clubes aqui no Brasil, a iniciativa privada ignorando o esporte de alto rendimento e a falta de políticas públicas decentes na área fizeram com que muitos atletas buscassem a segurança e a estrutura do Exército brasileiro para treinarem e se desenvolverem nas suas modalidades. 

Foi da caserna que saiu o general Fernando Azevedo e Silva, escolhido a dedo pela presidente Dilma Rousseff para coordenar os Jogos Olímpicos de 2016, que acontecerão por aqui. E é desse ambiente que surge um dos mais ativos atletas de esportes de inverno aqui do Brasil. 

Fabrizio Bourguignon, 37 anos, é major do Exército Brasileiro. Mas é muito mais do que isso. Atleta de Cross-Country e Biatlo, ele já se transformou num dos principais nomes das duas modalidades aqui no país. Por fim, fez história ao se tornar o primeiro brasileiro a competir nos Jogos Mundiais Militares de Inverno em março deste ano, em Annecy (França).

O brasileiro competiu no cross-country e biatlo e conseguiu ótimos resultados. Na prova de sprint do biatlo ele foi o 96º, com três erros no tiro e um tempo de 35min43seg2, mais de dez minutos atrás do vencedor da prova. Já nos 15 quilômetros do cross-country Fabrizio ficou em 76º, com 1h03min01seg, pouco mais de 25 minutos do vencedor. 

O torneio foi duro, com grandes nomes da modalidade em nível mundial. "Foi por enquanto a minha prova mais importante, pois teve uma visibilidade muito grande. Foi a primeira vez que um militar brasileiro participava de uma competição dessa (o 49º Campeonato Mundial Militar de Esqui em 2007, só tinha prova de cross country e biathlon), que incluía outros esportes, com participação de vários países e com a presença de grandes atletas e de campeões mundiais como o Martin Fourcade no Biathlon e o Dario Cologna no cross country". 

Foi o ápice de uma carreira que começou lá atrás, ainda em 2006, quase que por acaso. Fabrizio morava numa vila militar em Campinas e praticava triatlo de forma amadora. Seu colega, o capitão Kermerson Henri Buck, também participava de provas de triatlo e numa das viagens para fora do país teve contato com o esqui. 

O capitão entrou em contato com a CBDN e participou de um período de aprendizado na Argentina e Chile com a intenção de desenvolver o cross-country e o biatlo de inverno, que ainda se desenvolviam por aqui. Era o casamento perfeito, afinal. A forma física militar caía bem com as provas de resistência desses esportes. 


Fabrizio (Divulgação/CBDN)
O capitão Buck retornou empolgado com o rollerski e demais equipamentos e os apresentou à Fabrizio - afinal de contas, ele também era atleta. "Fiquei um pouco com receio, pois estava em uma excelente fase no triatlo, mas sempre gostei de desafios". 

Mas nada é fácil quando você inicia uma modalidade nova. "Depois de muita procura, pois a maioria do sites estrangeiros que vendem materiais de esqui não enviam material para o Brasil, já encomendamos novos rollerskis, pois os que ele tinham eram antigos e de ski clássico. Claro que as coisas nunca são fáceis, a loja que enviou os rollerskis para o Brasil não vendiam botas nem bastões, então quando conseguimos pegar os rollerskis, tentamos usá-los, como não tínhamos as botas, tentamos com coturno militar, prendendo com liga de borracha, não deu certo, e tive que esperar o Buck retornar da Europa com os bastões e botas". 

Só em dezembro daquele ano pôde iniciar o treinamento propriamente dito. Ele tinha todos os motivos para desistir e continuar com os treinamentos no triatlo, mas seguiu em frente, com apoio do Exército.

"Naquela época estava surgindo também um pequeno interesse por parte do Exército em começar a participar de esportes de inverno e a estreia seria no 49 Campeonato Mundial Militar de Esqui, na Estônia, que ocorreria em março de 2007. Devido ao campeonato eu e o Buck passamos duas semanas treinando com o apoio do Exército da Letônia em Riga sua capital". 

As dificuldades não pararam por aí. Logo na primeira experiência na neve, lá na Letônia, a temporada já estava no fim e não havia mais tanta neve. Resultado: a pista de esqui estava com muito gelo e, consequentemente, ruim para esquiar. "Minha primeira prova, em Voru/Haanja na Estônia, foi dificílima, pois como estávamos no fim de março, a pista estava muito ruim, parecia areia de praia de tão fofa". 

Mas ele seguiu em frente. A disciplina e a força de vontade inerentes ao Exército o fizeram abraçar a nova modalidade. E olhe que ele poderia muito bem se dedicar à outras esportes, mais fáceis de se praticar por aqui. Antes de entrar no Exército, praticou handebol e skate ("este último de maneira quase profissional", confessa). Na vida militar começou no atletismo e após se tornar oficial em 1999 começou com o triatlo e corridas de rua. 

Hoje em dia as corridas e treinamentos são dedicados para manter a forma física quando está longe do esqui cross-country e do biatlo. Como toda organização militar dedica, no mínimo, entre uma hora e meia e duas horas por dia, três vezes por semana, para atividades físicas. 

"Eu utilizo os horários de treinamento físico para treinos de corrida e após o término do expediente treino o segundo período, sempre revezando simulador de tiro e musculação e treinos de rollerski nos sábados". 

Não para por aí a integração entre Exército, atleta e o esporte de inverno. Fabrizio consegue liberação para poder competir na temporada sul-americana ou europeia e, assim, seguir ajudando seu país, de uma forma ou de outra.

"Quando se aproxima as temporadas de inverno, seja na América do Sul ou na Europa, a CBDN envia, com uma antecedência de três meses, uma solicitação de liberação de servidor militar sem ônus para o Exército, para o Ministério dos Esportes, o qual repassa para o Ministério da Defesa e que vem sendo transmitido pela cadeia de comando até chegar ao meu Comandante, onde ele autoriza a minha liberação total dos serviços. Eu passo mais ou menos 4 meses por ano liberado para os treinos, acredito que por enquanto esteja em um nível bom de apoio, mas no futuro, gostaria de aumentar um pouco mais esses períodos para poder me dedicar mais aos treinamentos e melhorar as minhas performances". 

Liberação que ele conseguiu novamente. Fabrizio é um dos nomes que competirão pela CBDN ainda neste mês em provas de cross-country e biatlo. Neste último esporte, aliás, ele até tentou disputar uma vaga olímpica em Sochi, mas o Brasil ainda engatinha no ranking de pontuação deste esporte. 

"Todo atleta sonha em participar de uma Olimpíada, eu não seria diferente, sei que o caminho é difícil, mas a esperança sempre continua".


Relação antiga

A relação entre esportes de inverno e Exército vem rendendo bons frutos nos últimos anos, ajudando na evolução das modalidades de neve por aqui. "Agora temos técnico de biathlon (Mathias Nilson), material adequado, conhecimento dos locais de provas, de como chegar no local, onde se hospedar, não é mais no escuro. O que precisamos agora é descobrir novos talentos para que possam continuar essa evolução".

Mas o que poucos sabem é que essa relação vem lá da Segunda Guerra Mundial. Os pracinhas brasileiros utilizaram o esqui alpino para se adaptarem ao ambiente italiano antes de lutarem contra as forças de Mussolini nos alpes (história que foi contada com exclusividade pelo Brasil Zero Grau aqui). 

Mais um

Fabrizio Bourguignon não foi o único brasileiro presente nos Jogos Mundiais Militares de Inverno deste ano. O sargento Daniel Reis Souza participou da prova de escalada indoor (sem contato com a neve). Na prova de Lead foi o 20º colocado; na de bouldering ficou em 23º.

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