Se joga, Flávio! E vai na fé!

Flávio durante treinamento (Arquivo Pessoal)

Quando Flávio Macedo, 28 anos, morador de São Carlos, no interior paulista, comentou que iria disputar etapas da Copa do Mundo de Luge em pista natural, o que ele mais ouviu de amigos e familiares foi: "se joga". 

E ele se jogou, literalmente. Flávio competiu na primeira etapa da Copa do Mundo da modalidade, que aconteceu em Novouralski, na Rússia, neste fim de semana. É o primeiro brasileiro no esporte em oito anos. 

Foram três provas que marcaram a estreia do brasileiro. No dia 19, na Copa Gregory Zavada (equivalente ao campeonato russo de luge em pista natural) ele terminou na 25ª posição (a penúltima) com o tempo de 1min25seg98. O vencedor foi o austríaco Michael Scheikl, com 59seg79. 

A estreia para valer aconteceu na eliminatória da primeira etapa, no dia 20. Flávio foi o 25º novamente, com 1min26seg20 e ficou na frente de um atleta. Ele, porém, conseguiu classificação para a final, realizada neste domingo. 

E nela terminou na 23ª e última posição, com o tempo de 2min43seg67 na somatória das duas descidas. O desempenho deu a ele 18 pontos no ranking internacional. O italiano Patrik Pigneter venceu com 1min58seg85. 

O resultado entra no prognóstico que ele fez ao Brasil Zero Grau nessas suas primeiras provas. "Quero aprender muito! E não ficar em último", comentou, com enorme sinceridade. 

Mas esse aprendizado não será nada fácil. O luge é um dos esportes mais perigosos do mundo e atinge altas velocidades. Flávio Macedo ainda compete em pistas naturais, sem refrigeração artificial e muitas vezes coloca a mão na neve gelada nas curvas. Resultado: hematomas e mãos quase congeladas no fim de cada prova. 

"O treinamento inicial que tive foi bem complicado. Agora que estou conseguindo pegar o jeito.  Infelizmente não consegui me poupar de vários hematomas, dores nas costas e no pescoço. Além disso muitas vezes quando você chega no final da pista suas mãos estão quase congeladas pelo fato de nas curvas ter de coloca-las no gelo frio". 

Mas não só isso, evidente. O frio atrapalha muito, sem dúvida ("as temperaturas variam de -15ºC a -25ºC"), mas a questão linguística também se revela uma barreira. "Por mais que eu fale muito bem o inglês, o povo europeu não fala muito bem! Posso contar nos dedos de uma mão o numero de pessoas com quem pude conversar bem usando o inglês. Até comecei a falar português, porque não está fazendo diferença para eles", brincou.

Mas o esporte é fascinante porque a barreira do idioma não impede ninguém de se jogar na modalidade que ama. Com Flávio não foi diferente e segue, assim, o caminho que traçou desde quando era garoto e gostava de andar de skate. 

Começou aos 15 anos, mas nada muito sério, como ele mesmo afirma. Mas paixão é paixão, e mesmo sem praticar muito, o agora atleta de luge já se informava sobre skate de velocidade.

O tempo passou e ele conseguiu finalmente conseguiu montar seu primeiro skate de velocidade e saiu das ruas para praticar na estrada. Durante um ano se aprimorou nessa categoria, mas dificilmente ultrapassava os 90 quilômetros por hora. 

Flávio queria mais. Queria ultrapassar o limite de 100 quilômetros por hora. Foi quando montou um streetluge na garagem da república onde morava. Em uma semana já atingia a velocidade que sempre sonhou romper. 

"Percebi que por mais que eu fosse razoavelmente bom no skate de velocidade, no streetluge eu realmente tinha me encontrado", admitiu. 

Há um ano virou atleta de street luge e classic luge. Participou do campeonato em Teutônia, no Rio Grande do Sul, considerado o mais rápido do mundo no classic luge e Flávio terminou na sexta posição. Ele gosta de ser rápido, realmente. 

Da mesma forma que Alexandre Cerri Machado, que pensa em sair do asfalto para as pistas de gelo, o atleta começou a pensar seriamente no tema ainda em 2012, quando a CBDG passava por grave crise administrativa. 

Num momento de descanso (arquivo pessoal)
"Essa oportunidade de competição na Europa no luge em pista natural não caiu do céu. Enquanto planejava minhas férias no ano de 2012, passei a procurar inicialmente onde poderia aprender o luge em pistas artificiais (olímpicas)", comentou.

Mas surgiu um problema: pista olímpica geralmente pede uma licença de atleta e isso ele não tinha "e nem sabia onde poderia conseguir". Procurou por pistas não oficiais, recebeu alguns convites, mas foi então que ele descobriu o luge em pista natural. 

"Foi quando alguém da Itália repassou meu e-mail para a Federação Internacional de Luge e recebi uma proposta para correr a temporada 2013/2014 desta categoria não olímpica. No principio não acreditei, mas depois de ver que os responsáveis da FIL eram as pessoas que estavam falando comigo, ganhei mais confiança para correr esses campeonatos". 

Campeonatos, no plural. Além desta primeira etapa, Flávio vai participar das outras seis do calendário da Copa do Mundo. Graças à ajuda da Gas Inflamavel SkateShop, que além de patrocinador ainda ajuda na segurança da casa quando Flávio está viajando, e também de Green Heads Long Films, que editará todo o vídeo que será feito nesta temporada. 

Mas ainda está longe de ser considerado um atleta profissional. A começar pelo fato dele sequer sonhar com os Jogos Olímpicos. 

"Sei que tanto no futebol quanto nos Jogos Olímpicos a política manda e manda muito. Enquanto uma instituição for dirigida por políticos, eu não vou querer fazer parte disso Portanto ir para as Olimpíadas não é meu sonho. Existem muitas regras de conduta, regras morais, regras implícitas aos atletas que não estão escritas em lugar algum, mas que todos tomam como certo. Muitas coisas eu não julgo como corretas", reclamou.

Depois pela consciência que ser atleta profissional de classic e street luge é um tanto subjetivo no nosso país, conhecido pela falta de investimento gritante em diversas modalidades. 

"Até mesmo os melhores atletas brasileiros dessas modalidades não vivem do esporte e provavelmente nunca viverão dele. Os atletas dessas categorias vivem para o esporte", sentenciou, com a certeza que faz as pessoas se jogarem de cabeça nos seus sonhos. 


Pista artificial x Pista natural

Como Flávio é atleta de luge em pista natural, pedi a ele que explicasse para nós, os leigos, as diferenças entre uma pista artificial (usadas em Jogos Olímpicos) e as de pista natural. 

"A diferença mais básica é a pista! Enquanto na pista artificial (olímpica) temos as curvas elevadas, refrigeração artificial e um trajeto que varia entre 1,5km e 2km e prioriza muito a velocidade, nas pistas naturais, por via de regra, as curvas não podem ser elevadas, são bem mais fechadas, a refrigeração artificial é proibida e o trajeto deve ter aproximadamente 1000m nas pistas convencionais e entre 300m e 400m para as pistas paralelas. O luge é bem parecido, mas também tem diferenças. Na pista artificial o luge tem que ser muito aerodinâmico e o atleta não se mexe tanto, a pista faz por você. Nas pistas naturais existe até um cabo de aço usado como manete para auxiliar na freada antes das curvas. A movimentação corporal é muito maior, ela envolve os pés na freada, as pernas, o quadril, o tronco, os braços e as mãos para fazer as curvas". 

Em tempo: a Federação Internacional de Luge tem no seu site a lista de pistas artificiais e naturais. São 68 pistas naturais, a maioria na região da Itália, Alemanha e Áustria, e apenas 21 pistas artificiais (duas delas já desativadas). A maioria delas foi construída para edições dos Jogos Olímpicos de Inverno.


Terceiro na história

Ao participar da primeira etapa da Copa do Mundo de luge em pista natural, Flávio Macedo foi o terceiro brasileiro a competir nesta modalidade de esportes de inverno. 

Antes dele, Diego Bersuc e Michelle Mercer também competiram pelo Brasil. Diego esteve presente no Mundial da categoria em 2005, onde terminou na 47ª posição. Já Michelle foi mais longe. Participou de etapas da Copa do Mundo na temporada 2004/2005 (terminou na 24ª posição no ranking final) e ainda foi a 19ª no Mundial de 2005.

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