Apenas mais um obstáculo

Sally, Fabiana e Larissa: estreia olímpica (Christian Dawes/COB)

Quando Fabiana dos Santos perdeu o controle da pilotagem e o trenó brasileiro virou no penúltimo treino feminino antes da prova, muitos eram os questionamentos sobre a habilidade brasileira no bobsled. Afinal de contas, aqui olhamos apenas o número e esquecemos sempre o contexto em que determinado esporte se encontra no nosso país.

Mas para a atleta e toda a equipe feminina, composta por Sally Mayara e Larissa Antunes, foi apenas mais uma provação entre tantas que elas passaram nos últimos cinco meses e que Fabiana enfrenta nos últimos dez anos. A recompensa, porém, aconteceu hoje. Após anos de luta, as mulheres do Brasil estrearam nos Jogos Olímpicos.


Elas terminaram as duas primeiras descidas na 18ª posição com o tempo de 2min00seg02, na frente apenas da Coreia do Sul. A liderança provisória é dos EUA 1, com 1min54seg89. Canadá 1 vem na segunda posição e EUA 2 na terceira. Mesmo assim, o primeiro objetivo foi alcançado. Uma descida segura, sem sustos e ainda assim fora da última posição.


É o grande momento de uma história iniciada lá atrás, em 2003. Selecionada por Eric Maleson numa seletiva, Fabiana logo se empolgou com o bobsled. Havia ali a chance de disputar Jogos Olímpicos e ainda a possibilidade de conhecer novos países e novos costumes. Mas também havia o início de uma série de sacrifícios e até mesmo decepções.


Em 2006 a vaga ficou distante, mas com a nova parceira Daniela Ribeiro, a partir de 2007, parecia que o sonho ia se confirmar. Boas provas na Copa América, uma posição no ranking satisfatória e tudo caminhava bem mesmo com trenós ruins e num ambiente que antecipava a crise que viria. Mas as realocações não aconteceram da forma esperada e a vaga ficou por uma posição. Isso mesmo, apenas uma.


O dinheiro já faltava na conta da CBDG pela falta de repasse da Lei Piva e o planejamento seguiu prejudicado. Mesmo assim, Fabiana treinava. Num destes treinos, em 2011, o trenó tombou e ela sofreu um acidente muito grave. O capacete se soltou do pescoço e bateu de cabeça no chão, literalmente. Precisou de cirurgias para diminuir as queimaduras sofridas.


Poderia ser o fim da linha dela no bobsled, mas não. Seguiu lutando, mesmo após a crise aberta por outros atletas, que levariam a duas intervenções judiciais. No meio dessa briga, chegou a implorar ao COB que desse alguma verba para poder competir em 2012 e atingisse o critério mínimo de classificação olímpica (disputar provas em duas temporadas antes dos Jogos). 


Novas cores, velho objetivo (Getty Images)
Já era 2013 quando a CBDG, ainda sob intervenção judicial, conseguiu levar ela e mais duas atletas para disputar as últimas etapas da Copa América e conseguir o índice mínimo. Depois disso, planejamentos, estratégias e a decisão: ficar desde julho no Canadá para aperfeiçoar a pilotagem. Longe de família, amigos e trabalho. Tudo para ficar concentrada e pegar a vaga, que veio apenas no último dia da classificação olímpica.

Acha a rotina fácil? Você conseguiria ficar oito meses longe de tudo se dedicando apenas ao bobsled? 


Fiz essa longa volta apenas para mostrar o porquê de achar que Fabiana é uma das atletas que mais mereceram essa vaga olímpica. Ela teve uma série de dificuldades e sofreu muitos questionamentos. Soube enfrentar cada um deles e ainda contou com um novo gás no fim de 2013.


As chegadas de Sally Mayara e Larissa Silva também ajudaram nisso. Entrevistei as duas e a equipe masculina num hotel em São Paulo (ainda teremos um post especial disso, podem ter certeza) e era nítido o entrosamento de toda a equipe. Com personalidades tão diferentes morando numa mesma casa, é difícil achar uma sintonia tão grande.


O objetivo das três era o mesmo: classificar para as Olimpíadas. Fizeram todas as etapas da Copa América, conquistaram o título geral e somaram os pontos necessários. Claro que houve momentos ruins, principalmente quando duas etapas foram canceladas e complicou a estratégia da CBDG. Mas no fim, deu tudo certo.


Independente do que aconteça na terceira descida, as meninas do Bobsled brasileiro já entraram para a história. Não por conta dos recordes e resultados, mas sim pela superação, luta e garra demonstrada em cada curva desta difícil trajetória. 


PS: aproveitando que o assunto é bobsled, a CBDG finalmente anunciou o nome da equipe. Depois de uma votação insegura e muitas dúvidas, definiu o nome de Blue Birds tanto para o trenó feminino quanto para o masculino. Sinceramente, gostei do nome e da nova identidade visual. Combina com o azul do trenó, tem o lance da arara azul, animal típico da nossa fauna e que está em extinção e foge totalmente dos "bananas congeladas", nome que causou polêmica nos últimos anos. Veja abaixo o novo logo do time: 

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